by KARINA MILARE
Monólogo com a morte.
As asas da morte abaixaram-se sobre o cais, olhares curiosos acompanhavam a remoção do pequeno e disforme corpo. O anjo da morte observava, à espreita, o marinheiro raivoso e bêbado tirar a vida, com uma faca, da pobre mulher, que os homens de branca a estavam levando.
Logo depois, o manto negro farfalhou sobre o piso imaculado do necrotério, ao aproximar-se da mesa, onde a figura fria e inerte repousava, observou-lhe a face e o corpo marcados pela rua, bebida e preocupações.
A esta velha, a vida reservara-lhe um fardo pesado, a beira do cais ganhando uns poucos tostões, para o pão do dia e a bebida da noite, já os sapatinhos de verniz e laços, que usara outrora menina, foram-lhe tirados com as tranças e vestidos brancos pelo tempo. Virgem menina!
Como o sopro a inocência fora-lhe tirada, tão rápido que nem se apercebera do fato. Com os anos, os sonhos foram esquecidos, guardados no fundo do coração de menina, que ainda ansiava em brincar livre pelos prados verdejantes a espera de uma nova sina.
Ao chegar aos portões do céu, a pobre alma transformara-se na linda virgem menina, que correra com os braços abertos, as longas tranças a bater-lhe nas costas e a face coberta pela alegre inocência.